Sofia Buco: ” É possível falar do empoderamento feminino em Angola por via do teatro. Nós somos exemplo disso”

Por: JdB
Sofia Buco é uma mulher do teatro e uma das vozes do empoderamento feminino em Angola. Começou a representar com 15 anos e já encarnou vários papéis. Passou pelo Jikulumessu, Esquadrão Kamy-interpretando Deolinda Rodrigues, Monólogos da Vagina e, muito recentemente, apresentou História que Marcou o Sul.
Está no teatro há 20 anos. Viu muita gente a desistir, acreditou e está aqui. Hoje, consegue afirmar, sem medo de errar, que é possível viver-se do teatro em Angola, mas pede mais salas.
Conhece bem a profissão e sabe que a arte cénica é um dos espaços ideais para falar e mostrar o posicionamento da mulher para uma Angola onde com mais equilíbrio, amor, empatia e sensibilidade.
Sofia não tem dúvidas de, em breve, isso será materializado. Por isso, criou uma produtora, a Buco Produções, com a qual pretende deixar o seu legado, enquanto trabalha para ter um espaço próprio e abrir uma pequena escola para formar futuros actores e dar espaço a outras crianças sem condições financeiras.
A actriz apresentou seus projectos à JdB. Falou dos vários anos de carreira e “abriu as copas’ sobre os assédios que muitas mulheres são obrigadas a passar para conseguirem um papel principal no teatro. Acompanhe a primeira parte da entrevista da actriz angolana!

Interpretou vários personagens. Passou pelo Jikulumessu, teve um papel preponderante no Esquadrão Kamy ou Filhos da Herança. Qual foi a personagem que mais lhe marcou até agora?
Entre todos esses personagens que mencionou, Jikulumessu foi um momento muito importante enquanto profissional na arte. Foi muito importante para a abertura dos meus projectos também. Esquadrão Kamy deu também uma outra abertura na minha vida… foram personagens que lutei para alcançá-los, porque sabia que tinha um objectivo muito maior em torno das personagens. Mantive a persistência, o amor pela arte, de forma a incentivar outros jovens nas comunidades, as mulheres jovens angolanas. Sempre me chamou a atenção sobre o que carece a arte; o que carece a oportunidade. O esquadrão Kamy, a Deolinda Rodrigues, marcou-me muito mais.
Porquê?
Porque é um personagem nacional de uma mulher resistente, que morreu em combate. Uma mulher que espelha; que dá sabedoria, dignidade, bravura e força à mulher angolana.
E isso comunica consigo na vida real?
Eu sempre me revejo nesse personagem, por isso fui atrás deste papel e consegui fazê-lo com zelo, dedicação, amor, carinho e emoção. Até hoje, sinto-me muito honrada de ter feito esse personagem. Foi, sim, esse o papel mais marcante na minha vida. Ora, o Wassanjuca foi um personagem que durante muitos anos quis fazê-lo e sempre foi difícil. Marca, assim, uma trajectória daquilo que é a minha abertura; a minha liberdade artística de fazer com zelo, domínio, simpatia e brio profissional, então Wassanjuca e Deolinda Rodrigues por serem duas heroínas de épocas completamente diferentes, mas a luta era a mesma, então é muito orgulho e gosto imenso.
Agora, qual será o próximo passo?
Ainda em tempos parei para fazer uma análise…temos muitas peças e elas todas são muito bonitas e merecem voltar a passar. Acredito eu que, na agenda do próximo ano, algumas dessas peças vão voltar a passar sim, porque é fantástico. Vamos ver qual será o próximo passo. 2023 guarda-nos muitas novidades.
A representação feita há 15 ou 20 anos em Angola, altura em que começa, não é a mesma de hoje...
De há 15 ou 20 anos era totalmente diferente. Hoje, prezamos muito pelo naturalismo e realismo, porque dá uma outra percepção ao público, faz com que eles se sintam dentro do espectáculo; se sintam membros dessa família. É muito diferente. Eu gosto muito do naturalismo, é muito melhor e funciona melhor também. Mudou a maneira de trabalharmos: as dinâmicas. Hoje, nós temos produtoras independentes. Outrora, não tínhamos isso, eram apenas os grupos que davam suporte. Hoje nós temos produtora que, de alguma forma, têm dado suporte ao teatro.
A mudança também se traduz em dinheiro?
Claro que sim. Toda a mudança traduz-se sempre em valor monetário, menos ou mais. No caso aqui é para mais. Já vemos melhorias. Já vemos actores com cachets consideráveis, as coisas estão boas, então a mudança aqui é para o melhor.
Dizer isso é o mesmo que estar a assumir que consegue viver do teatro.
Eu só não vivo da arte porque desde muito cedo, fui fazendo muitas coisas. Formei-me. Trabalho na TPA, sou apresentadora. A formação que fiz, que é a ciência da comunicação, deu-me a liberdade em trabalhar em conteúdos para televisão, rádio e imprensa. Tenho essas facetas. Tranquilamente, trabalho nessas áreas. Mas, claramente poderia somente viver do teatro, era possível sim senhora. Hoje e já há algum tempo, há muitas pessoas a viverem exclusivamente do teatro. Por exemplo, o Flávio Ferrão, um dos directores com que trabalho e vou trabalhar, é das pessoas que mais me inspiram no teatro e vive do teatro. Ele é um caso de sucesso a nível do teatro em Angola. Está mais do que provado que arte dá, sim, dinheiro em Angola. Temos é que fazer nossa gestão para que possa funcionar.
Sempre defendeu o empoderamento feminino. Qual acha que seria o papel das artes cénicas no empoderamento das mulheres?
Eu sempre defendi o empoderamento feminino. Aliás, isso foi também um dos motivos que fez com que eu abrisse a Buco Produções, no sentido de dar espaço e oportunidade às mulheres, de igual forma que os homens têm. Porque durante muitos anos o teatro foi uma arte mais liderada por homens. Mulheres quase que não havia, então, senti essa necessidade de mudar o gráfico, de mudar esse quadro, com o posicionamento da Buco Produções.
É possível falar-se de empoderamento feminino em Angola por via do teatro?
Claro que é possível falar do empoderamento feminino em Angola por via do teatro. Eu sou um exemplo. A Neide Van-Dunem, a Solanje Feijó, a Mariza Júlio, Carla Esmeraldo são exemplos disso. É possível, sim, e com o teatro há muita mudança a acontecer. E muito mais vai acontecer. Outrora, não havia mulher à frente de grandes grupos, de grandes produções. Hoje as mulheres asseguram as principais produções de teatro em Angola. Este ano, foi exemplo. As mulheres foram predominantes nisso. Então, é possível, sim, falar do empoderamento feminino no teatro. Porque nós somos exemplo disso.